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No outro dia, uma amiga desafiou-me a escrever um artigo para o soumulher.pt. Trata-se de um passatempo em que quem quiser pode enviar artigos para esta página e, no final do passatempo, verifica-se o artigo mais votado.
O meu é o seguinte: http://soumulher.pt/principio-relacao-fim.html
Chama-sePrincípio. Relação. Fim.e diz o seguinte:
E agora? O que fazer quando termina uma relação? O que fazer com os tempos perdidos no tempo? O que fazer com o lado vazio da cama e com duas almofadas onde agora habita apenas um? O que fazer com o silêncio que se instala e com a falta de alguém a comentar o que dizemos, fazemos, pensamos? O que fazer com os planos um dia tomados a dois? Serão exequíveis no plano individual? O que fazer com as memórias perdidas, mas sempre lembradas quando menos queremos? Como fazer para retomar uma vida, a engrenar novamente, mas sem a mão na mão de alguém?
Falam em luto da relação, as típicas cinco fases: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Mas será alguém assim tão linear? É possível passar de forma tão sequencial pelas várias fases e sair, na ponta contrária do processo, milagrosamente feita uma nova mulher? Por experiência pessoal, devo dizer que, em mim, estas fases aconteceram de forma simultânea, alternada, ausente, de trás para a frente e da frente para trás, só que tudo ao mesmo tempo. E o mesmo é dizer que, como mulher complexa que sou (como somos todas) a lógica psicológica das coisas não funciona comigo. Primeiro estão sempre os sentimentos e só, muito lá atrás, corre a razão.
Queria esquecer, queria lembrar, queria tentar, quase que queria implorar por um amor que já não existia mais. E se esse alguém desistiu de mim, do amor, desta vida projectada e construída a dois, porque quereria eu que o tempo voltasse atrás? Para fazer mudanças? Para tentar evitar o inevitável? Para lutar por alguém que já não lhe interessava lutar? Para perder mais tempo e gastar mais amor, dedicação e amizade com alguém a quem eu claramente não valia o esforço? Mas como digo, durante muito tempo, os sentimentos falam, gritam mais alto que toda a razão e lógica.
E depois percebi. Ele é só um. Um em milhões de possibilidades. É apenas um. E um no passado. A vida está cheia de possibilidades, probabilidades, identidades. E ele foi só um. E eu estou pronta para abrir os braços, respirar bem fundo os ares da mudança e gostar de mim, em primeiro lugar.
Porque gostarmos de nós próprias pode parecer fácil e óbvio e inevitável. Mas será sempre possível e inalterável? Ou muda consoante o nosso estado de espírito, consoante a companhia que temos ao nosso lado (ou a falta dela), consoante os sorrisos ou gritos de raiva que a vida nos proporciona? E, às vezes, pode ser difícil nos lembrarmos que temos que gostar de nós. Mas tal passo de aceitação pessoal, de auto-amor, é algo que tem que ser trabalhado no dia a dia. Um pensamento auto-elogiativo, sorrisos mais verdadeiros e menos forçados, beleza interior que transborda exteriormente dão, a cada uma de nós, uma felicidade que é apelativa aos outros. E gostarmos de nós é meio caminho andado para que outros também o sintam.
E, à medida que o processo de auto-amor vai sendo instalado, os tempos perdidos no tempo passam a ser tempos aproveitados para atingir objectivos que até aí pareciam secundários, para executar projectos que sempre ficaram na prateleira, para meditar, para exercitar, para estarmos bem, mesmo estando sozinhas. E o lado vazio da cama, deixa de ser o outro lado, para ser parte integrante de um só lado, só que muito maior. E o silêncio torna-se espaço para o pensamento. E as opiniões alheias serão assim tão importantes? Que tal pensarmos por nós, decidirmos por nós? E os planos a dois desaparecem e começam a ser planos a um, aos quais se juntam amigos, família e se transformam em muito mais do que alguma vez imaginámos. E um dia percebemos que as memórias que surgem são apenas memórias, não são facadas, não acontecem para ficarmos tristes ou magoadas. As memórias são lembranças, são degraus da vida e ensinamentos para o futuro. E, quando conseguirmos caminhar e decidir e viver, sem dar a mão a alguém, um sentimento imenso de liberdade atinge-nos qual relâmpago da vida e, nesse momento, sabemos que somos capazes, que somos independentes, que somos mais fortes. E depois, é deixar a vida rolar.
O que acharam?